O elevador de beja.
Não costuma acontecer com frequência, mas um incêndio pode ser providencial. Em outubro de 2008, o edifício do departamento técnico da Câmara Municipal de Beja ardeu; pouco depois ruiu também um muro do edifício da antiga tipografia do jornal “Diário do Alentejo”. A demolição destas estruturas em pleno coração desta cidade alentejana permitiu à arqueóloga Conceição Lopes, do Instituto de Arqueologia da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, um raro vislumbre do passado. Em sentido contrário aos afortunados mineiros do Chile, a cápsula do tempo de Conceição Lopes recuou da superfície até ao interior da terra, nove metros abaixo do solo, escavados com a paciência própria de quem esperava há muito por este momento.
Conceição Lopes doutourou-se com uma tese sobre Pax Iulia, a cidade romana de Beja, e o seu território envolvente. Conhece na ponta da língua o trabalho do arqueólogo Abel Viana no centro histórico da cidade durante a década de 1930, que permitiu a este homem meticuloso descrever a identificação de um templo do período romano. Abel Viana ” registava sistematicamente tudo o que encontrava, mas creio que a estrutura é tão complexa que a sua articulação não foi perceptível aos seus olhos” comenta.
Essa complexidade do subsolo de Beja expressa-se com a ajuda de uma metáfora. Imagine um elevador que parte da superfície, correspondendo à actualidade. Na sua viagem descendente, há a tentação de seguir rapidamente para o nível mais emblemático – o da ocupação romana. Mas o elevador encontra vários patamares de ocupação humana antes e depois desse nível. Todos são importantes. Em conjunto, é essa sucessão de níveis que revela a memória de Beja.
Gonçalo Pereira
(Retirado da revista “National Geographic”, do dia 2 de Janeiro de 2011)